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CONSIDERAÇÕES SOBRE A RESSALVA DE ENTENDIMENTO PESSOAL E A AMPLA DEFESA

Updated: Aug 15, 2020

Artigo publicado no Site Consultor Jurídico (CONJUR), coluna OPINIÃO, 21 de julho de 2020.


Em tempos recentes, tem-se observado com mais frequência, nos tribunais de segunda instância, a prática da "ressalva de entendimento pessoal" do desembargador que, apesar de sua posição divergente expressamente proclamada no julgamento colegiado, acompanha a orientação vencedora da maioria dos desembargadores da turma ou câmara, com base em um "princípio da colegialidade". Dessa forma, um julgamento por maioria se converte em unânime, porque o magistrado, mesmo discordando do voto vencedor, a ele adere, por uma questão de respeito ao próprio colegiado ou ao entendimento ali já firmado por reiteradas decisões anteriores sobre determinada matéria de direito (precedente).


Não se desconhece que essa prática, em certas hipóteses, prestigia a segurança jurídica, ao dar previsibilidade ao julgamento do órgão colegiado acerca de uma questão repetida. A prática, entretanto, vem acontecendo mesmo quanto a questões de fato, e não de direito, nas quais o desembargador vencido deixa de proferir um voto divergente, apesar de seu entendimento manifestado, por pura "cortesia" ao colegiado, ou por outras razões. Esse expediente, já criticável no Processo Civil, agrava-se em um processo de natureza criminal, assumindo dimensões de ilegalidade, ao cercear um relevante direito do acusado que teria um voto vencido em seu favor: o direito ao recurso de embargos infringentes, assegurado pelo artigo 609, parágrafo único, do Código de Processo Penal. Trata-se de recurso ordinário previsto para o acusado que, em sede de apelação ou de recurso em sentido estrito (recursos criminais), receba uma decisão desfavorável pela maioria dos votos dos desembargadores — com um voto vencido, portanto, favorável à defesa.


Ilustre-se com um exemplo real, observado pelo autor deste artigo em um tribunal brasileiro há não muito tempo. Em sede de apelação da defesa, a turma julgadora, integrada por três desembargadores, discutia a quantidade de pena aplicável ao acusado, depois de já formada unanimidade quanto à condenação. Um dos desembargadores divergiu dos votos anteriores, que fixavam a pena em seis anos de privação de liberdade, considerando que a pena justa, em sua opinião, era a de quatro anos, porque dois dos motivos invocados para exasperar a reprimenda (culpabilidade e conduta social do réu) não se aplicavam ao caso concreto. A apreciação não foi com base em um entendimento jurídico consolidado sobre o assunto, mas na percepção e análise concreta dos argumentos fáticos levantados na sentença condenatória recorrida para justificar a pena mais elevada. Apesar disso, o desembargador vencido, invocando a "colegialidade", resolveu aderir à posição da maioria — e chegou a acrescentar: "até mesmo para evitar embargos infringentes"! Seguiu-se, assim, uma decisão "unânime".


Considere-se, no caso, que o voto vencido significaria, para o acusado, um regime de cumprimento de pena menos rigoroso (regime aberto, e não semiaberto) e, mais que isso, a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, cabível para uma condenação à pena de quatro anos de reclusão. A lei processual assegura ao acusado, em caso de divergência entre desembargadores da mesma turma, um recurso para órgão mais graduado do tribunal (o plenário ou as turmas reunidas), de modo que as posições conflitantes sejam debatidas por um maior número de julgadores. No exemplo acima narrado, porém, a atitude do desembargador significou a impossibilidade de o acusado levar essa discussão adiante, para, assim, tentar obter um julgamento mais favorável.

Tenha-se em conta também que, no caso, não se tratou de discussão sobre matéria de direito, que justificasse o respeito a um precedente da turma, mas de uma matéria de fato. A divergência, portanto, não foi sobre o conteúdo da orientação jurídica, mas sobre a aplicação de um princípio ou regra às características do caso concretamente julgado.


Em qualquer hipótese, no processo criminal, em que a lei reserva um recurso à defesa com base em voto divergente, não pode ser admitida a "ressalva de entendimento pessoal", para formar uma ficção de julgamento "unânime", o que cerceia o direito da parte de opor embargos infringentes ao acórdão.


Nessas condições, sustenta-se aqui que, quando ocorra a proclamação pelo desembargador de entendimento diverso favorável ao acusado seguida de adesão sua ao voto da maioria em processo criminal, a defesa técnica deve pedir o registro da posição divergente, que deve ser compreendida como voto vencido, para fins de oposição de embargos infringentes ao plenário ou às turmas reunidas, sob pena de ofensa à norma do artigo 609, parágrafo único, do Código de Processo Penal e à própria garantia da ampla defesa.





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